quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Candy

DRAMA, ROMANCE E CRÍTICA SOCIAL COM HEATH LEDGER



> O mundo é um peão maluco em um parque de diversões. Pessoas que não se conhecem entram em um brinquedo giratório que os empurra contra a parede e transforma a paisagem em um enorme borrão. Com um pouco de sorte você pode encontrar alguém que segure sua mão, alguém que mesmo quando você sentir que não vai mais aguentar estará ali para lhe trazer de volta para realidade. Mas, mesmo que você tenha esse alguém, quando o brinquedo parar o parque já não será mais o mesmo. Todos terão ido embora. O mundo é um lugar desorientador para um drogado.

> A temática de Candy é algo corriqueiro, o mundo das drogas. Mas embora Neil Armfield tenha escolhido algo tão ordinário para abordar quando fez a adaptação do romance de Luke Davies, a forma e a vida que deu a seu filme foi primorosa. Com a ajuda de uma atuação brilhante de Heath Ledger e Abbie Cornish, que encarnam o casal Daniel e Candice, o longa se torna talvez a melhor representação de dependentes químicos já mostrada em um filme.

> A narrativa é lenta. As cenas, extensas. O silêncio, ensurdecedor. O drama, a tensão, e o romance foram elevados de patamar pelos rostos e olhares de Ledger e Cornish. Cada momento desde o início do filme coloca o espectador em sintonia com a personagem. Assemelha-se aos trabalhos do escritor norte americano John Steinbeck, passa-se tanto tempo lendo sobre uma única personagem, a conhecendo, que no momento em que ela precisa atravessar seus lineares, vencer suas provações, o espectador compartilha de seus sentimentos e frustrações.

> O filme Candy começa como uma brisa, uma calmaria e uma felicidade interminável antes que a tempestade chegue. A trilha sonora suave logo revela que pretende se manter no mesmo nível durante todo o filme, permitindo-se em apenas um momento apelar para a grande cena de drama. Em um poema de Daniel, um sujeito boa vida, sem escolaridade, trabalho e pouco dinheiro, somos apresentados ao amor de sua vida, Candice, carinhosamente chamada de Candy, uma meiga e frágil loira anos mais nova que ele.

> Daniel e Candy são um único ser. Um casal inabalável, inseparável mesmo diante de seus piores momentos. No impulso de um adolescente e nas ansiedades pelas tentações da vida, o casal mergulha de cabeça no mundo das drogas, gastando dinheiro e testando as variedades. São jovens, se amam, e o mundo é um lugar delicioso. É o arco do Paraíso.

> O longa metragem se divide em três arcos. Todos com o mesmo formato. Por pior que pareça, começam agradáveis. As coisas antes melhorarem pioram em muito, para só então serem dragados para o fundo do poço. O primeiro arco, Paraíso, leva até o casamento de Candy e Dan, ambos transtornados pelo uso dos entorpecentes.

> Em uma mudança drástica de atuação, cores e enquadramentos, passamos ao arco da Terra, o plano terreno. Nesta fase o mundo já não é mais tão colorido. As personagens estão desgastadas e envelhecidas pelos anos que passam sem ser notados. O casal ultrapassa a barreira e ignora o conselho do grande e experiente amigo Casper, interpretado genialmente por David Argue. “Neste mundo, quando podemos abandonar, não queremos. E quando queremos, já não podemos mais”.

> A gravidez de Candy parece ser o ponto alto do filme, mas só então somos apresentados ao terceiro arco: Inferno. As forças para se acreditar no amor já não existem mais. Com enquadramentos abertos em momentos de sobriedade e fechados enquanto se drogam, Armfield elabora um retrato perfeito de dependentes que se negam a aceitar a realidade. A fotografia do Garry Phillips enriquece o aspecto de veracidade do filme.

> A prostituição, tanto da mulher quanto do homem é a ferramenta usada para mostrar o lado degradante da dependência. Mas, talvez o momento mais realista do filme seja a desintoxicação. Em uma cena que parece interminável e o espectador é enganado pelo tempo, o casal enfrenta seus piores demônios ao se trancar no apartamento e serem esquecidos pelo mundo. Uma luta feroz contra a abstinência.

> Somos conduzidos do paraíso ao inferno pelas palavras doces dos poemas de Daniel e ludibriados pela meiguice de Candy. O espectador é seduzido pela aura de perseverança que encobre o casal e se força a torcer em uma história que parece lógica, mas que se torna comovente.

> Ao exemplo de Confiar, de David Schwimmer, é um trabalho que serviria perfeitamente para ser usado em sala de aula, quase como um documentário de orientação para crianças e adolescentes. O desenrolar da obra é tocante e sua narrativa digna de elogios. Ao final, Candy e Dan deixam os dias de furor para trás. O peão maluco daquele parque de diversões para de girar e mundo está pronto para conceder uma segunda chance. Basta firmar os pés.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Sexta-feira 13

MEDO É AQUILO QUE GOSTAMOS DE SENTIR QUANDO SABEMOS QUE ESTAMOS EM SEGURANÇA

> Crescemos e abandonamos nossos medos. Será mesmo? Será que esta é a razão de não me impressionar tanto com a indústria cinematográfica atual? Fiquei mesmo tão mais velho e maduro que não me permito assustar diante da tela grande do cinema? Não. Recuso-me a acreditar nisso. Afinal de contas ainda não gosto de apagar a luz na parede oposta de meu quarto à noite, tampouco estou convencido de minha segurança ao caminhar em vielas mal iluminadas. Ainda sinto medo, os filmes é que estão se tornando cada vez menos impressionistas. O terror está morrendo.

> A sexta-feira 13 sempre me remete aos bons e velhos filmes, principalmente às clássicas vítimas de Jason Voorhees. Mas é exatamente esse o problema. Ao pensar em filmes de terror, tudo que me vem à mente são os clássicos, os antigos. Apesar de já não ser mais o fã assíduo que fui logo entrar na adolescência, fase em que temos de provar nossa valentia a nós mesmos, continuo acompanhando as produções do cinema de terror e devo dizer, são decepcionantes.

> O suspense, em certos casos, entra na categoria de que estou falando, mas ainda assim são poucos os que se destacam. Na última década tivemos aquela desenfreada produção de máquinas sanguinárias em Jogos Mortais. Em 2004 tive até mesmo que deixar de lado produção ordinária do primeiro filme e reconhecer seu enredo original e, de certo ponto de vista, genioso. Mas suas sequências o tornaram um produto comercial, o carro chefe da Lionsgate, que parecia nunca se cansar de arrumar formas de ver as vísceras das pessoas serem espalhadas sem uma justificativa plausível. Por fim, a franquia apanhou da crítica e deixou a todos os fãs uma conclusão capenga de uma história que jamais deveria ter continuado.

> Em 2011 fomos surpreendidos pelo quarto capítulo na série Pânico. O caminho aqui pode ser tortuoso, pois o trabalho de Wes Craven sempre é merecedor de elogios. Mas a franquia de Ghostface é sempre mal interpretada pelos fãs do terror/suspense, que acabam o considerando quase como um filme de comédia, e diante desta quarta obra, eu nem posso lhes tirar a razão. Pânico também deveria ter ficado apenas na prateleira.

> Ainda em uma linha fina entre o terror e a comédia caminhou Arraste-me para o Inferno. O filme de Sam Raimi tinha tudo para dar certo, um enredo original, frases de impacto e uma fotografia incrivelmente convincente. O erro da obra foi ser levada para o lado trash das produções, quando as cenas relacionadas a bocas e líquidos asquerosos tomam conta do filme. Arraste-me para o Inferno seria um dos melhores filmes de terror da atualidade, se tivesse rumado para essa premissa.

> A pseudo-inovação do cinema fica a encargo de Atividade Paranormal. Este, para os descuidados, pode gerar alguns sustos. Filmado no já conhecido método de câmera amadora utilizado em Bruxa de Blair, o longa vence o espectador no cansaço. São tantos os momentos de tensão sem desfecho que quando já não se acredita mais em um susto, o volume alto do cinema o faz saltar da poltrona, mas tudo perde o sentido o ser assistido no sofá de casa.

> No saldo positivo, mas ainda assim sem honrar os trabalhos de Kubrick em O iluminado ou Hichcock em Psicose. E nem sequer próximos de amedrontar gerações como Gremlins, Chuck, Jason ou Freddy, temos algumas atuações convincentes e um ou outro remake.

> Gosto de relembrar sobre o remake de The Crazies intitulado A Epidemia, que foi sem dúvida o melhor terror de 2010, com uma nova versão daquilo que estamos acostumados a chamar de zumbis. Caso 39, com um trabalho conjunto de Renée Zellweger e Jodelle Ferland foi extremamente convincente. Ainda, com um pouco de boa vontade, Deixe-me Entrar também merece elogios, remake da versão sueca.

> Acredito que o melhor do cinema atual seja a obra de Zack Snyder, a mente por trás de Sucker Punch, 300, e do próximo Superman. Madrugada dos Mortos, outro remake, impressiona desde a abertura ao som de Jhonny Cash, até seu final épico e incrível narrativa lenta, mas coerente, conseguindo dar, em pontos estratégicos, algumas pinceladas de humor.

> Ainda assim falta em nosso cinema um novo padre Karras, por mais que Anthony Hopkins tenha tentado fazê-lo em O Ritual. Precisamos de um novo brinquedo assassino, ou diretor sombrio o suficiente para nos trazer Jason Voorhees de volta das profundezas de onde seus últimos filmes o enterraram. Afinal de contas, qual o sentido de nossas sextas-feiras 13 sem um bom filme de terror?

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Professora sem classe

PREVISÍVEL DO INÍCIO AO FIM, CAMERON DIAZ PERDE A CLASSE EM MAIS UMA COMÉDIA FALHA


> Esperava bem mais de Professora sem Classe, na verdade sempre espero muito de Cameron Diaz, desde quando ela apareceu pela primeira vez ao lado de Jim Carrey dançando no Cocobongo. Mas apesar disso começo a me convencer cada vez mais de que atrizes como Diaz, Angelina Jolie, e Julianne Moore não conseguem se adaptar ao cinema fora de papéis de drama ou romance.

> Cada vez que uma atriz que atingiu a casa dos quarenta tenta se aventurar em uma comédia ou musical o resultado acaba sendo insatisfatório – a exceção de Meryl Streep, que parece ter o dom o de Midas. Diaz se esforça, e é uma grande atriz por natureza, mas assim como em Encontro Explosivo, ao lado de Tom Cruise, Professora sem Classe é uma comédia de enredo simples e que não proporciona risos, o que deveria ser seu principal objetivo.

> Jake Kasdan está na direção, e isto basta para se ter uma boa expectativa quanto ao filme. O diretor já deu uma passadinha por Californication anos atrás, e atualmente trabalha no seriado New Girl, protagonizado por Zooey Deschanel, ambos muito competentes na arte de fazer rir.

> Apesar do estilo de Kasdan ser perfeitamente visível, a começar com o comportamento de sua protagonista e a criação de cenas constrangedoras, no maior estilo de “isso-não-vai-dar-certo”, o trabalho acaba não saindo como o esperado.

> Ao longo do filme observamos um pote de vidro com uma fita adesiva segurando um papel escrito “New Tits” (novos seios), que aos poucos vai recebendo notas e moedas das economias de Elizabeth, a personagem de Diaz. Algo muito errado aconteceu na vida de Elizabeth para que de todas as profissões do mundo ela se torna-se professora. A loira é uma malandra em busca de vida e dinheiro fáceis. Faz um empenho gigantesco para encontrar um cara rico que a sustente, passando por cima de estagiários e professores de educação física sem dó nem piedade.

> Elizabeth possui erros de conduta que irão enfurecer a qualquer professora que assista ao filme. Já no primeiro dia de aula, o qual havia esquecido, chega de ressaca, apaga a luz da sala e passa um filme para os alunos. Isso se repete durante muito tempo, sem nem ao menos tentar aprender o nome da turma.

> Sua forma desleixada é apenas superada por sua maneira interesseira de ser. Quando entra em cena Justin Timberlake, e mais uma vez me pergunto quem deixou o garoto atuar, no papel de um ricaço otário, a vítima perfeita para nossa professora fraudulenta. Elizabeth coloca na cabeça que seu fracasso em arrumar o homem que vai sustentá-la está relacionado ao tamanho de seus seios, e daí para frente começa uma corrida épica na busca de se tornar a melhor professora e o prêmio estadual.

> O filme remonta a estrutura das turmas de escola, o mesmo modelo imutável apresentado no cinema desde Carrie. Temos ali o piadista, a CDF, a rainha do baile, o esquisitão apaixonado pela rainha do baile, e por aí em diante. A protagonista, como era esperado, ignora todas as oportunidades de se tornar uma boa profissional e se relacionar com os alunos. Ao invés disso tranca-se no carro para fumar sua “maconha medicinal” e escutar Rainbow in the Dark, Dio.

> O longa é uma versão totalmente conturbada de Mentes Perigosas, e quando Diaz sofre a maior mudança de seu papel, ainda assim é baseada em seus valores mesquinhos. Sua personagem, apesar de um tanto inovadora, é linear demais. A história segue conforme o esperado, e elementos como o amor verdadeiro e um toque de consciência aparecem, mas sua personagem não é perceptível a tais mudanças. O filme muda, mas sua protagonista não.

> Em suma, a professora sem classe é divertida e uma nova fórmula adaptada para a atriz, mas ainda não é o ideal. Acredito que o mais inovador no filme de Kasdan seja a esperança de ver Diaz com silicone.